Tuesday, June 17, 2008

A caixinha cor-de-rosa



Ao lado da cama ela tinha uma imensa caixa cor-de-rosa com mil possibilidades. Escolhas de vida, se preferir assim. Todo dia, ao acordar, ela tirava um papelzinho de lá. Havia desde coisas simples, “Vá trabalhar a pé e cantando a sua música preferida ao longo de todo o caminho”, a coisas complexas, “Sabe o vizinho da casa da direita? Namore ele”.

Assim decidiu a sua profissão, “Estude medicina e seja pediatra”, os seus cabelos, “Corte chanel e tinja de ruivo”, o seu carro, “Um Celta combina com você”, a cidade onde mora, “Paraty é linda e literária”, a sua casa, “Apartamento duplex com sacada virada para a rua principal”.

Anos da própria vida sendo escolhida.

Até o dia do grande tombo no meio da rua. Caiu de costas em plena calçada, bateu a cabeça e não conseguia se mexer. Momento do estalo. Eu não gosto de andar a pé, não gosto de cantar, acho o meu vizinho péssimo, não nasci para namorar, tenho horror a sangue, gosto de criança só para brincar, cabelo ruivo e chanel não combinam nada com o meu jeito, não gosto de dirigir, Paraty é boa para passear, prefiro casa a apartamento.

Ela passou a vida sem escolher o que realmente queria. Com a desculpa clássica de que “as coisas são assim”, delegou a uma bela caixinha as decisões da sua vida. Os seus dias. A sua alegria. A sua satisfação. A sua felicidade. Era mais fácil, assim todas as decepções eram encaradas como meras fatalidades.

Destino.

E a tristeza que carregou pela vida inteira? Aquela de quem nunca fez nada do realmente queria?

Eu não escolhi ser triste, ela dizia.

Escolheu sim.


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